Mais um excelente texto do Professor Alberto Veloso.
ALBERTO
VELOSO
Geólogo e professor aposentado da UnB, trabalhou nas
Nações Unidas e
é autor do livro O terremoto que mexeu com o
Brasil
Publicação: 16/08/2013
04:00
As
recentes notícias da existência de um programa de espionagem
norte-americano sobre informações brasileiras me faz antecipar a
divulgação de uma curiosa história que integra um livro que ora
escrevo. Acredito ser também boa oportunidade para refletirmos sobre
a vulnerabilidade de nossa nação ante o vertiginoso progresso da
tecnologia da informação.
Eram os anos de 1980 e, dirigindo
a Estação Sismológica da Universidade de Brasília, recebia
diferentes visitantes, pois os terremotos atraem a curiosidade de
muitas pessoas. Certa vez, apareceu um jovem diplomata estrangeiro se
expressando em bom português — aqui ele será chamado de Mr. X.
Fez perguntas sobre sismologia, interessou-se pelo sistema de
registro e ouviu a reprodução sonora de um terremoto. Ao final,
agradeceu e, como muitos, prometeu regressar. E voltou. Às vezes
para dizer alô e outras para deixar revistas de seu país.
Um
dia perguntou se havíamos registrado determinada explosão nuclear
e, verificando os boletins, confirmei o fato. Em Brasília só
detectávamos as mais potentes, mas indiretamente tínhamos os dados
de todas as detonações, por meio de boletins fornecidos pelo
Serviço Geológico Americano e distribuídos a vários centros de
sismologia. Mr. X solicitou uma cópia daqueles dados e lhe dei, já
que eram públicos e qualquer entidade que recebesse o boletim
poderia utilizar e divulgar seu conteúdo. Nada havia de secreto,
apenas teríamos de citar a fonte da informação. Mas confesso que
fiquei intrigado com o pedido.
Naqueles anos, as principais
potências nucleares procuravam negociar um tratado de limitação de
testes nucleares, mas o horizonte continuava escuro e cheio de
incertezas. O muro de Berlim permanecia em pé, os principais atores
corriam para expandir seus arsenais e as explosões continuavam
sacudindo as áreas de testes nos Estados Unidos e na União
Soviética e, pouco menos, na China e na França.
Passado
um tempo, Mr. X regressou. Desejava informações de outros dois ou
três testes. Explicou que estava atendendo pedido de um professor
pesquisador de seu país, que tinha dificuldades de conseguir tais
dados — terremotos e explosões são as principais ferramentas que
ajudam a conhecer o interior da Terra. Eu já havia visitado o país
dele, conhecido cientistas e centros de pesquisas, observado coisas
boas e ruins. Sua história soava fraca, mas poderia ser verdadeira.
Acabei cedendo. Quando voltou a requisitar novas informações,
educadamente neguei. Para mim, não estavam claros suas intenções e
o destino dos dados. Acrescentei que a informação que ele buscava
não era de forma nenhuma secreta, mas não seria eu a fornecê-la.
Suas visitas findaram, mas a história não.
Um dia ele ligou
e convidou-me para um chopinho. Conversa vai, conversa vem, depois de
alguns copos, sem qualquer pudor, ele falou: “Estou autorizado a
lhe pagar US$ 1.500, que poderão subir para US$ 2 mil, todos os
meses. Precisamos de sua cooperação. Queremos que você forneça,
rotineiramente, aqueles dados sobre as explosões atômicas”.
Atônito, não acreditava no que ouvia. Parecia mais coisa de cinema,
ou livro de ficção. Mas, não. À minha frente, abaixo do céu de
Brasília, havia um espião de carne e osso, querendo me corromper.
Ele não estava atrás somente de dados, deveria querer informações
de equipamentos, projetos internacionais e outras coisas.
O
simpático diplomata havia tirado a máscara. Minha surpresa virou
indignação, mas reagi com calma. Medindo as palavras, mas em tom
enérgico, lhe disse que a partir daquele momento encerrava qualquer
possibilidade de futuros contatos. Levantei-me da mesa dizendo: “Já
que você tem tanta grana, pague a conta”. Nunca mais o vi, nem nas
reuniões em Genebra, quando participava da Conferência sobre
Desarmamento, ou quando trabalhei para a ONU, em Viena, por sete
anos.
A espionagem sempre existiu e talvez nunca acabe,
pois a informação traz conhecimento e, acima de tudo, poder. Cabe
aos que possuem informações sensíveis encontrar formas eficientes
de salvaguardá-las. Nosso ministro da Defesa reconheceu a imensa
distância que nos separa de países que dominam sistemas de
vigilância da informação. Temos de reduzir este gap e não basta
só patriotismo, boa vontade ou espada. Desenvolver e cultivar o
saber em toda sua plenitude, com muito talento humano e adequados
recursos financeiros é uma receita, pois hoje a guerra é
cibernética.
Correio
Braziliense, Opinião: 16/08/2013